31 de jan. de 2013

Em defesa das crianças

 

Em defesa da criança

"Eu era uma criança, esse monstro que os adultos fabricam com as suas mágoas" .

Jean-Paul Sartre

28 de jan. de 2013

Tristeza e indignação por todos os jovens de Santa Maria e pelo bebê de São Paulo

Boate Kiss

Em Santa Maria (RS), um sinalizador é lançando em ambiente fechado com teto altamente inflamável. Após o início do incêndio jovens em pânico tentam fugir pela única saída que existia na boate, mas essa porta foi bloqueada por seguranças para que eles não saíssem sem pagar a comanda. Resultado fatal: 231 jovens mortos.

 

bebê nas mãos

Em São Paulo, mãe maltrata filho e vai dormir. Segundo o seu depoimento ela só percebeu que ele estava morto pela manhã. Os vizinhos informaram à polícia que ela tentou jogar o corpo do filho de 5 meses no lixo.

 


A vida é tão preciosa, mas tão frágil!

Porque descuidamos tanto assim dela?

Nos momentos extremos qual tem sido o valor que guia  e sustenta os nossos atos?

 


Sei que é difícil achar palavras de consolo nesse momento, mas quero deixar a minha solidariedade a todos os familiares e amigos dos 231 jovens de Santa Maria (RS).

Quero ainda registra o meu profundo lamento pela morte do bebê em São Paulo que, diferente dos jovens de Santa Maria, não teve nem chance de tentar fugir do perigo que ameaçava sua breve vida.

Cida Alves

27 de jan. de 2013

Em defesa dos lobos

 

filhotes_de_lobos-normal

 

Estimado Leitor do blog EDUCAR SEM VIOLÊNCIA nesse domingo trago a voz de Ashey Montagu e a história real de uma criança para fazer a minha defensa dos lobos.

 

FILHOTE DE LOBOS

 

“O homem é o lobo do homem”, aqui jaz uma injustiça história que precisamos reparar. Injustiça que é fruto do antropomorfismo de certos cientistas que insistem em atribuir emoções humanas aos outros animais. É um grande equívoco responsabilizar a natureza, ou seja, a nossa herança animal pelas violências cometidas por nos humanos. A VIOLÊNCIA é uma construção humana, como também são a ÉTICA e a ESTÉTICA.

Em acordo com o pensamento do antropólogo Ashey Montagu (1978), eu acredito que os seres humanos possuem a capacidade de manifestar qualquer tipo de comportamento, não só o agressivo, “mas também bondade, crueldade, sensibilidade, egoísmo, nobreza, covardia, alegria etc. O comportamento agressivo é apenas mais um da longa lista (…)” (MONTAGU, 1978, p.11).

 

“Darwin o fez, Freud também, em The Origin of Species (A Origem das Espécies), menciona ‘a guerra da natureza’, e já que o homem era parte da natureza seria de se esperar que também fosse uma criatura belicosa. Freud, em Das Ubenhagen in der Kultur (O Mal-Estar na Cultura, 1930) referiu-se ao homem como o lobo do homem, cuja agressividade ‘se manifesta espontaneamente e revela os homens como feras selvagens para as quais o pensamento de poupar sua própria espécie é estranho’. Em cada ponto, em sua visão hobbesiana da natureza, quanto aos lobos, quanto à espontaneidade da agressividade, quanto aos selvagens e quanto às feras Freud está equivocado, profunda e abissalmente equivocado. Não existe guerra da natureza. Se existe uma lei da natureza, é a do equilíbrio entre a cooperação e o conflito, que leva a sociedades cooperativas estáveis” (MONTAGU, 1978, p.265).

 

Uma história real: o menino Marcos Rodrigues Pantoja (Espanha 1946) foi abandonado pelo pai e adotado por uma matilha de lobos

 

 

“Contrariamente ao que creem Freud e os leigos, os lobos não acatam outros lobos. A agressividade no homem e nos outros animais não é espontânea, mas necessita de algum estímulo externo para ser ativado. As feras não são selvagens, e os ‘selvagens’ raramente são tão selvagens quanto os acusam de ser. Numa época de escaladas da violência, tornou-se moda culpar nossos parentes animais por muitas coisas terríveis que nos fazemos mutuamente” (MONTAGU, 1978, p.266).

 

 


Trailer do filme "Entre lobos". Entre Lobos conta a história real de Marcos Rodrigues Pantoja, um garoto de 6 anos que foi vendido pelo seu pai por causa de umas cabras. Sua única alegria até esse momento era a amizade que tinha com seu irmão e seu maior sofrimento foi ser separado dele (Chorei feito uma louca). Ele vive um tempo em Sierra Morena acompanhado de um pastor idoso que lhe ensina a caçar e ter uma boa convivência com os animais que o cercam. Marcos é um garoto meigo e carente a ponto de achar se sentir melhor agora que vive com o pastor numa caverna do que no tempo em que conviveu com seus pais. O menino dizia que não passou um dia em que não apanhou da mãe, então era mais feliz vivendo com ele.

 


 

 

“O professor Adriaan Kortland, do Departamento de Zoologia da Universidade de Amsterdã, afirma sucintamente: ‘O objetivo da luta em muitas espécies não é tanto a luta em si, mas o estabelecimento de uma organização social que torne a luta supérflua’. Resumindo os fatos, o professor J. L. Cloudsley-Thompson afirma: ‘Os gestos ameaçadores e a exibição ritual quase sempre substituem a luta real. Desse modo, o conflito tende a se tornar ritualizado e adaptado, de forma que possa ser exercido sem danos para os rivais’. Finalmente, como o afirmam os professores Ueli Nagel e Hans Kummer, da Universidade de Zurique. ‘A agressividade nos animais é basicamente uma forma de competição e não de destruição’. O resultado fundamental do comportamento agressivo nos animais não é a morte, mas a cooperação, e seu valor principal de sobrevivência reside nisso’” (MONTAGU, 1978, p.79).

 

Uma ficção: a menina Misha, de sete anos de idade, começa uma viagem desesperada, para escapar dos nazistas e encontrar seus pais. Sozinha, traumatizada, terrivelmente vulnerável, sua salvação chega na forma de uma família de lobos, que a adotam.

 

 

A concepção de homem que adotamos influência diretamente nossas escolhas e decisões, afetando assim o futuro de nossas crianças e de nosso mundo (Cida Alves). Veja abaixo o que Ashey Montagu tem a dizer sobre isso:

“A ideia do homem-matador é um estado mental mais confortável que o ponto de vista oposto. Se realmente acreditamos que procedemos como procedemos por termo nascidos assim, e que nada podemos fazer para mudar, então nada podemos fazer para mudar, não é mesmo? E cada vez que traímos um amigo, falhamos, ferimos alguém, trapaceamos ou mentimos para seguir adiante, podemos culpar a natureza humana. ‘Sou apenas um ser humano’, dizemos, dando de ombros, e com isso queremos dizer: ‘Sou naturalmente perverso’, ou ‘Sou naturalmente fraco’.

‘Errar é humano, perdoar é divino’, Esta é uma versão particularmente interessante deste tema. O fato é que o erro e o perdão são atos da mesma criatura humana, mas por minhas próprias razões quero evitar assumir a responsabilidade por qualquer dos dois atos. O erro decorre de minha inevitável natureza básica, o perdão é obra de Deus, eu sou apenas um espectador.

Por outro lado, acreditar que sou responsável por meus atos é viver uma vida desconfortável. Significa que devo pensar sobre o que faço, avaliar as alternativas segundo um certo padrão, julgar, escolher e aguentar as consequências. Quantos de nós passam por esse processo? Não muitos, e o número ainda diminui substancialmente quando um caminho mais fácil nos é apontado por um grupo de ilustres cientistas que são, como todos sabem, mais brilhantes que qualquer outra pessoa” (MONTAGU, 1978, p.35).

Profecia auto realizável

“Aqui, devemos assinalar que, para fins de previsão ou de qualquer outro tipo, a pretensão de que o homem é inatamente agressivo assume a natureza de uma profecia que se realiza por si mesma. Se estamos convencidos de que somos inatamente agressivos, começaremos a ver-nos como tal, e começaremos a atuar da forma que se espera que atuemos. É verdade que devemos tentar controlar nossa agressividade, mas sempre podemos desculpar as reincidências com base em teorias tais como ‘espontaneidade’ e ‘instinto’. Nossa tendência a aceitar a violência como uma forma normal nos dizem que ser violento faz parte da natureza do homem, é um legado de seus antepassados pré-históricos” (MONTAGU, 1978, p.257).

 


Veja ainda algumas pesquisas citadas por Montagu (1978) sobre o tema da agressividade e a aducação de crianças: 

Com exceção do breve interlúdio do século XVIII conhecido como Iluminismo, quando não somente Luz, mas também ar fresco foram introduzidos na questão do que era a natureza humana, o conceito de pecado original e depravação natural predominou. Por exemplo, as crianças eram consideradas ‘criaturas naturalmente depravadas’ por Hannah More, a sabichona inglesa que morreu em 1833; e recentemente, em 1922, o Dr. Edward Glover, decano dos psicanalistas ingleses, falava das crianças nestes cativantes termos ‘A criança perfeitamente normal é quase completamente egocêntrica, gulosa, suja, violenta, profundamente sexual em seus objetivos, exageradas em suas atitudes, dotada, apenas do sentido de realidade primitivo, sem consciência ou sentimentos morais, e sua atitude para com a sociedade (representada pela família) é oportunista, desconsiderada, dominadora e sádica’. Na verdade, julgado pelos padrões sociais dos adultos, o bebê normal é praticamente um ‘criminoso nato’. A conferência do Dr. Glover foi republicada num volume de suas obras escolhidas em 1970” (MONTAGU, 1978, p.37).

“Sabemos também que as características do comportamento humano não são determinados exclusivamente pela hereditariedade ou pelo meio ambiente. O conceito de oposição entre natureza e educação é falaz, e responsável por mais afirmações enganosas do que qualquer outro, até mesmo do que as afirmações de Lorenz e Ardrey aplicadas aos seres humanos. Na realidade, o desenvolvimento de praticamente qualquer tipo de comportamento humano é resultado da interação entre fatores genéticos e ambientais” (MONTAGU, 1978, p.21).

“Esse mesmo princípio se aplica a qualquer tipo de comportamento, inclusive ao agressivo. Muitos estudiosos e observadores de crianças, concluíram que o comportamento agressivo se aprende e é adquirido, ou seja, uma criança cujo comportamento agressivo é recompensado por vencer, por exemplo, ou pela aprovação dos adultos, ou por qualquer tipo de melhora de sua posição – será possivelmente uma criança mais agressiva do que aquela cujo comportamento agressivo é desencorajado por constantes derrotas ou pela desaprovação” (MONTAGU, 1978, p.24).

“Nas famílias de classe média, Bandura, e Bandura, e Walters descobriram que um dos pais de meninos agressivos, ou ambos, encorajavam seus filhos a serem agressivos com amigos e professores, e outros adultos fora da família. Os meninos não agressivos provêm de famílias em que os pais encorajam os filhos a defenderem firmemente seus princípios, mas que desprezam a agressão física como forma de resolver disputas. Além disso, as crianças geralmente tomam como modelo a agressão que sofrem dos pais, tendendo a imitá-la em seu próprio comportamento com os demais. Hoffman descobriu que as mães que empregam agressão verbal ou física para obrigarem seus filhos a cumprirem suas ordens criam crianças que utilizam um comportamento semelhante como seus companheiros” (MONTAGU, 1978, p.25).

“O falecido Professor Abraham Maslow, psicólogo humanista, num artigo intitulado ‘Nossa Natureza Animal Maligna’, publicado em 1949, escreveu: ‘Acho que as crianças, até serem estragados e nivelados pela cultura, são seres humanos mais bonitos, melhores e mais atraentes que seus pais, ainda que sejam mais ‘primitivos’ que eles. A ‘domesticação e transformação’ que sofrem parece atrapalhar mais que ajudar’. Não foi sem razão que o um famoso psicólogo definiu os adultos como ‘crianças deterioradas’. Poderia ser possível, perguntou Maslow, ‘que o que necessitamos seja um pouco mais de primitivismo e um pouco menos de domesticação?’

Similarmente, a Professora Katherine Banhma, que durante vinte anos estudou 900 crianças desde quatro semanas até quatro anos de idade, concluiu que as crianças nascem com impulsos afetuosos expansivos, e que ‘só se tornam preocupados consigo mesmo, retraídas ou hostis, como reação secundária, quando são repelidas, sufocadas com cuidados indesejados, ignoradas ou negligenciadas’’(MONTAGU, 1978, p.90-91).

 


REFERÊNCIA: MONTAGU, Ashey. A natureza da agressividade humana. Tradução de Maurício Mower. Editora: Zahar, Rio de Janeiro 1978.

21 de jan. de 2013

Impactos da publicidade infantil ainda são pouco discutidos pela sociedade – Jornal UFG

 

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Por Agnes Agnes Arato, Kharen Stecca, e Roberto Nunes

Desde 2001, tramita um projeto de lei na Câmara dos Deputados que propõe a regulamentação da publicidade dirigida às crianças no Brasil. Enquanto a lei não sai, vários grupos divergem em relação ao tratamento dado à questão: há os que defendem a proibição total da publicidade infantil; os que desejam a restrição de alguns produtos, como alimentos pouco saudáveis; e aqueles que acreditam que o modelo utilizado atualmente, a autorregulamentação, é suficiente.

Há pesquisas indicando que as crianças são responsáveis por 80% das decisões de compra das famílias. Por isso, foi lançada a campanha Somos todos responsáveis (http://www.somostodosresponsaveis.com.br/), que reafirma a eficácia da autorregulamentação e responsabiliza exclusivamente os pais, que devem guiar os filhos. Ao mesmo tempo, um grupo de pais e mães (www.infancialivredeconsumismo.com.br) cobra uma política pública que auxilie as famílias a prevenir problemas que, em longo prazo, afetarão a esfera pública.

A mesa-redonda do Jornal UFG desta edição convida o professor da Facomb, Magno Medeiros, a psicóloga e professora da PUCGoiás, Malu Moura, e o publicitário da agência AMP, Marco Antônio de Pádua Siqueira, para debater o tema.

Acesse a entrevista completa com o professor Magno Medeiros, a psicóloga Malu Moura e o publicitário Marco Antônio Siqueira AQUI

 

Criança, A alma do negócio - Completo Documentário 

20 de jan. de 2013

MAZZAROPI: para mais cem anos

 

Em 2012 comemorou-se o centenário de três brasileiros ilustres, Luiz Gonzaga, Jorge Amado e Amácio Mazzaropi. Embora já estejamos em 2013, quero nesse domingo relembrar com você o talento do comediante que deu voz, no cinema e na música, ao caipira brasileiro.

 

 

No site MAZZAROPI para mais 100 você acessa documentários, notícias e vídeos desse artista circense que se transformou em um importante cineasta brasileiro.

 

Mazzaropi

    "Quero morrer vendo uma porção de gente rindo em volta de mim."
Amácio Mazzaropi

 

15 de jan. de 2013

Disque 100: denúncias de crimes contra idosos crescem quase 200% em um ano

 

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Crimes mais denunciados são negligência e violência psicológica. Depois, vem abuso financeiro e econômico, violência física e abandono.

 

Denúncias de crimes contra idosos são cada vez mais comuns no Brasil. De janeiro a novembro de 2012, o Disque 100, telefone da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, registrou mais de 21 mil denúncias. No mesmo período de 2011, foram pouco mais de 7 mil, aumento de quase 200%.

Os crimes mais denunciados são: negligência e violência psicológica. “Eu sofri, sim, agressão verbal e foi muito difícil. Eu falei: ‘vou na delegacia do idoso’. Aí ela me respondeu: ‘se a senhora for, a senhora está morta para mim’”, relata uma idosa.

Em seguida, vem abuso financeiro e econômico. “Pegou o meu dinheiro que tinha na poupança e tirou. Aí fiquei três meses pedindo dinheiro a ele, e ele não devolvia”, lembra um senhor.

A lista dos crimes mais denunciados tem ainda a violência física. “A minha filha me pegou pelo braço, me jogou pelo lado de fora da porta, tem três degraus, e quase que eu caio, bato com a cabeça no chão”, conta uma senhora.

Em quinto lugar na lista, vêm outros crimes, como o abandono. A mulher encontrada abandonada em casa pelos policiais em Belém se chama Felicidade. Segundo uma denúncia anônima, ela vive em estado de abandono, apesar de morar com o filho e a nora.

Fonte: Fantástico - Edição do dia 13/01/2013

13 de jan. de 2013

Arautos do Amor (e do Prazer) por Inês Pedrosa

Estimad@ leit@r,
Deixo com você nesse domingo um artigo que reforça a minha admiração e orgulho pelas letras das canções brasileiras. As letras de nossas canções tem uma beleza desigual, uma profundidade singular! A trama que elas tecem como palavras e ritmos cria um estilo literário que habita o hiato entre a prosa e a poesia.

 


Caetano e Chico em 2009. Um é o preferido dos que amam a criatividade sem limites; o outro, dos que prezam a coerência da forma


Por Inês Pedrosa*
 
Devo às canções do Brasil a minha fé no amor. Não é coisa pouca nem leve; acredito no amor como outros acreditam na Virgem de Fátima: à revelia dos tropeços das histórias e do ceticismo da História. Não há lágrima que eu não transforme em prisma de uma nova visão do mundo, nem ruínas de ilusão sob as quais não encontre o sinal de uma alegria maior. As canções brasileiras, em particular as de Caetano Veloso e Chico Buarque, deram-me um doutorado naquilo a que o Padre Antônio Vieira chamou “amor fino” – o amor a fundo perdido. Não há outro; ao amor que espera retorno podemos chamar investimento, vaidade, medo ou comodismo. Podemos até decidir ser felizes através dele. Mas o amor digno desse nome não cuida de enredos ou desenlaces; é, como escreveu Ovídio, uma arte, com o que isso significa de coragem e entrega. A arte exige o dom da metamorfose e um alto grau de domínio perante a dor. O artista, como o amante, tem de ser capaz de sair da sua própria pele para se colocar dentro da pele do outro. Esvaziando-se na entrega, ganha também imunidade à dor – há sempre um lado seu que contempla, de fora, como um Deus, a obra que dentro de si se está gerando.

Tudo isso existe, em sublime condensação, no casamento entre música e letra – e assim o Brasil deu de 10 a 0 em toda a história da filosofia, de Ovídio e Platão a Kant e Nietzsche. “Se você tem uma ideia incrível é melhor fazer/ uma canção/ está provado que só é possível filosofar/ em alemão.” A receita é de Caetano, em Língua, a melhor canção alguma vez escrita. Estava tentada a acrescentar “em língua portuguesa”, mas a tese que aqui se expõe é a de que a língua portuguesa é responsável pela criação das mais perfeitas canções. Parece-vos imperialista? Presunçoso? Etc.? Então deixo-vos um exercício simples: traduzam as letras dos Beatles. Podem começar por Yesterday, vá; se eu fosse cruel, lembrava All You Need Is Love ou Michelle. Sim, podem prosseguir com o Imagine, do John Lennon. Para subir o nível do debate, incluamos até o excelso Serge Gainsbourg: convenhamos que “je vais et je viens/ entre tes reins” (“vou e volto/ entrelaçado em seu dorso”, trecho de Je T’Aime... Moi Non Plus) não tem a força erótica de “estou-me a vir/ e tu, como te tens por dentro?/ porquê não te vens também?” (letra completa de Porquê?, de Caetano Veloso). Só os portugueses gritam que vêm a si através do corpo do amante. E só um brasileiro ousou fazer desse grito íntimo um manifesto poético. Porque só os brasileiros clamam que estão gozando (num gerúndio lento, benza-os Deus) no auge da entrega física. Os portugueses apenas usam o verbo gozar contra alguém. O português é púdico em público e desbragado na intimidade, o brasileiro pelo contrário – genericamente falando, claro.
 
Angélica, Bárbara, Beatriz...
 
Cumpre ressalvar que Chico Buarque deveria receber o Prêmio de Excelência do Sindicato Internacional das Prostitutas: estou certa de que cancioneiro algum contém tantas canções dedicadas a exaltar as qualidades humanas e a odisseia existencial dessas profissionais. É também o autor que mais compôs para as mulheres ou em nome delas – ressuscitando a tradição da lírica medieval galego-portuguesa. Numa pesquisa breve, encontrei canções suas em que aparecem os seguintes nomes: Ana de Amsterdam (“sou Ana de 20 minutos/ sou Ana da brasa dos brutos na coxa”), Angélica, Bárbara (duas canções), Beatriz, Carolina, Cecília, Cristina, Geni, Iracema, Januária, Joana Francesa, Lia, Lola, Luísa, Luiza, Madalena, Maria (duas canções), Maricotinha, Nina, Renata Maria, Rita, Rosa, Sílvia, Teresinha e Tereza Tristeza. Isto além das de Atenas, das dançarinas, das que fazem cinema, da pequena de cabelo cor de abóbora e das múltiplas Morenas. As morenas de olhos “negros como breu” ou “negros cruéis” são, aliás, tema central tanto na obra de Chico como na de Caetano: as musas podem ir da preta-com-biquíni-amarelo à morena-de-olhos-de-água, mas nunca há qualquer concessão à iconografia popular da loura. Em compensação, Caetano tem pelo menos uma dúzia de canções cujo título começa, implícita ou explicitamente, por “eu”. Ninguém foi tão longe, melodicamente, na decomposição cirúrgica do ego: numa das canções de Recanto, o disco vanguardista que acaba de criar para a voz onipotente de Gal Costa, brinca com gênio: “O menino sou eu/ o menino é eu”. 

Poderíamos detectar um mundo de outros pontos comuns, mas o interessante nessas duas figuras maiores da canção brasileira encontra-se nas diferenças, que fazem com que, em Portugal, exista um campeonato permanente entre os defensores de Chico e os de Caetano. Nesse vício mental do duelo, Portugal e Brasil são muito parecidos. Funcionamos num modelo passional puro – e exacerbamo-lo, pelo prazer do confronto e pelo sonho do absoluto.
 
O rigor obrigar-nos-ia a incluir neste texto pelo menos os nomes de Gilberto Gil e Adriana Calcanhotto, compositores muito acarinhados em Portugal. Mas, na hora da verdade, a discussão – estética e política – centra-se sempre nesse par contrastante. Chico é o preferido dos que prezam a coerência da forma; Caetano, dos que amam acima de tudo a criatividade sem limites, a escuta contínua do futuro. Creio que Caetano se sentiu sempre mais livre para experimentar, no que se refere à composição musical, porque nunca se encarou verdadeiramente como um músico. Mas as suas letras de canções merecem o título de poesia, pertencem à literatura como os romances de Chico – em ambos “os vocábulos iridescem”, como escreve Caetano em Tudo Dói (in Recanto). As letras de Chico são micronarrativas (um exemplo máximo é Sinhá, do seu disco mais recente); as de Caetano, poesia pura – e compactos de filosofia (vide Sexo e Dinheiro, novamente em Recanto). Chico cria heterônimos, personagens, outras vidas; Caetano implode em vez de se desdobrar; não tem vários dentro de si – é, ele mesmo, inteiramente vário.
 
Nos últimos anos, ambos denotam uma capacidade de síntese inédita: o novo disco de Chico é a versão-haicai do seu trabalho de sempre; e o mesmo acontece com o álbum Zii e Zie, de Caetano, ou agora com Recanto, embora o trabalho de sempre do baiano tenha sido o de nunca repetir um registro. Porém, num e noutro caso, os versos surgem rarefeitos, limados até o osso – e a composição musical é também depurada, levada à sua essência. O escritor argentino Jorge Luis Borges dizia que, enquanto jovens, somos barrocos por timidez – e por arrogância, em particular desde que a juventude se erigiu como culto sagrado, acrescentaria eu. A energia concentrada das mais recentes obras de Caetano e Chico demonstra a exatidão das palavras de Borges – a maturidade consiste no reconhecimento da luz. Como o amor.
 
As canções de Caetano e Chico revolucionaram o nosso modo de ser e de amar. Creio que a revolução foi mais visível e veloz em Portugal. O Brasil já tinha uma tradição de música popular muito consistente; Portugal acordou para o mundo com a Revolução dos Cravos, em abril de 1974, tendo como único esteio musical identitário o fado, que cheirava (embora injustamente) a conformismo e resignação. As novas gerações nem sequer davam ao fado o benefício da dúvida – e o que disso sobrava era a canção chamada de intervenção, designação que viria a pouco e pouco a ser revista, com o reconhecimento do lirismo criador de nomes como Zeca Afonso, Sérgio Godinho ou José Mário Branco. Mas a música do Brasil era a banda sonora da existência de uma juventude que inaugurava a liberdade, o desejo e o orgulho na sua língua.
 
Tamanco
Chico e Caetano foram os arautos e mestres da emancipação erótica dos portugueses, e a canção brasileira afirmou-se como um programa filosófico que vê o enamoramento como porta de acesso à sabedoria e à afirmação da identidade – pela fusão ou pela sobrevivência à separação. Nunca há o “why she had to go” (“por que ela teve de ir”, trecho da canção Yesterday), mas sempre, e pelo contrário, a lucidez que o encantamento ou a desilusão acendem: o conhecimento pelo sangue, como resposta corajosa e convicta diante de qualquer hipótese de “explicação” lógica ou racional. O seu fascínio reside na falta desse triturador que é “a análise da relação”. A canção inglesa ou norte-americana pressupõe um why – pretende que o amor tenha uma lógica e se desenrole como um western, com índios maus e caubóis valentes. Aquela coisa protestante: razão, culpa e expiação. O brasileiro não: metade das canções de dor-de-corno são listagens de memórias de um passado que se acarinham ou xingam como a um animal doméstico (“não, nada irá neste mundo/ apagar o desenho que temos aqui” ou, sucintamente, “tudo dói”) ; a outra metade são encenações de uma felicidade póstuma e vingativa (“quantos homens me amaram/ bem mais e melhor que você”). E as canções de amor feliz são relatos eróticos, tecidos com a precisão de um relato de futebol. Mesmo as canções mais judiciais não comportam a culpa: em vez de qualquer coisa como “você não vê o mal que me fez?”, temos “perua, piranha/ minha energia é que mantém você suspensa no ar”. O que é, convenhamos, muito mais positivo. As pessoas apaixonam-se pelo amor porque ele é contraditório, desregrado, feliz, desesperado, sôfrego e autocentrado. Impaciente, numa vida cada vez mais orquestrada para a paciência.
 
Quando quero ir até o fundo da fossa, sigo o Bom Conselho de Chico: “Inútil dormir que a dor não passa”, ou abro a torneira com Sem Você Nº 2: “Sem você/ é um silêncio tal/ que ouço uma nuvem/ a vagar no céu/ ou uma lágrima cair no chão”. Se quero sair dela, o avesso desse conselho ilumina-me no Pecado Original de Caetano (“todo corpo em movimento/ está cheio de inferno e céu”) ou na fulgurante Segunda, que encerra o novo disco de Gal: “Vou arrastar meu tamanco/ no sábado aguento o tranco”. Quando se trata de virar a mesa e andar para a frente, o Samba do Grande Amor de Chico dança com Desde que o Samba É Samba, de Caetano. Em caso de dúvida, épicos como Sem Fantasia ou O Quereres reacendem a minha fé nessa entidade que nos leva efetivamente ao céu. É só isso.

*Inês Pedrosa é jornalista e escritora, autora do romance Fazes-me Falta, entre outros.




















2 de jan. de 2013

A cada 24 horas, 360 crianças são vítimas de violência

Estatística coloca Brasil como um dos países mais violentos contra menores. Cerca de 11 mil agressões ocorrem por mês

da agência Brasil, de São Paulo

queimadura com garfo 2

Adolescente agitado, Lucas** fica tímido ao mostrar suas mãos. Em uma delas, há uma marca de infância. Mas não é uma marca que nasceu com ele. Ela surgiu quando uma pessoa da família utilizou um garfo quente para repreendê-lo e o queimou. “Até hoje eu tenho [a marca]. Nas costas também, mas lá acho que não tenho mais as marcas”, contou ele.

Lucas tem 13 anos. É filho adotivo e começou a apanhar “de cinta e de fio” da mãe e do cunhado depois que o pai morreu. Em vários desses momentos, fugiu para a casa de um amigo para se livrar das agressões.

“Tinha vezes em que eu dormia lá”, falou. “Se eu não lavasse a louça, eles [a mãe e um cunhado] me batiam. Se eu não acordasse na hora certa, eles me batiam. Aí eu fugi de casa e esse foi um dos motivos que me levaram ao abrigo”, disse o adolescente, um entre milhares de exemplos de vítimas de violência doméstica em todo o país.

Dados divulgados pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República mostraram que 77% das denúncias registradas por meio do Disque 100, entre janeiro e novembro deste ano, são relativas à violência contra crianças e adolescentes, o que corresponde a 120.344 casos relatados. Isso significa que, por mês, ocorreram 10.940 agressões, o que dá uma média de 364 denúncias por dia.

Já o Disque Denúncia 181, serviço criado em 2000 pelo Instituto São Paulo contra a Violência e pelo governo paulista, por meio da Secretaria de Segurança Pública, registrou 6.603 denúncias de maus-tratos contra crianças entre janeiro e outubro deste ano em todo o estado, o que dá uma média diária de 22 denúncias. O número é superior ao do mesmo período do ano passado, quando foram registradas 6.028 denúncias.

Para Ariel de Castro Alves, presidente da Fundação Criança e vice-presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é difícil deduzir, por esses números, se os casos de violência envolvendo crianças e adolescentes têm crescido ou se as pessoas estão denunciando mais. “É difícil medir se os casos estão aumentando. Na verdade, a sociedade está muito mais alerta e mais atuante diante de casos de abusos e de violência contra crianças e adolescentes. Isso é um fator muito positivo no país nos últimos anos. As pessoas estão denunciando mais, sendo menos coniventes e omissas”.

Espancamento

Nenhum dos dois serviços de denúncia contabiliza quantos desses casos registrados referem-se especificamente à violência doméstica. Mas sabe-se que o número é grande. “Hoje, temos muitas vítimas de violência doméstica. De maus-tratos e de espancamento”, disse Maria Aparecida Azevedo, que coordena as três casas de acolhimento da Fundação Criança, uma organização municipal focada na defesa e na garantia de direitos de crianças e adolescentes, que funciona em São Bernardo do Campo (SP).

“Os casos que chegam para nós são de abuso sexual, de criança negligenciada e abandonada e de criança queimada e espancada. Essa é a violência doméstica que está vindo para as casas de acolhimento”, explicou Maria Aparecida.

A violência doméstica pode gerar traumas para as crianças e os adolescentes, disse Alves. “Muitas vezes, elas [crianças e adolescentes] são vítimas daquelas pessoas em quem confiam, que entendem ser as pessoas que cuidam delas. Por isso, há dificuldade para assimilarem uma situação desse tipo. Esse é o trauma maior. A pessoa que tinha que proteger é a que acaba violando o direito dessas crianças e adolescentes. Isso gera um trauma, uma desconfiança permanente com relação aos adultos e dificuldade depois de convivência com outras pessoas. Isso pode, muitas vezes, gerar também prejuízo no desenvolvimento educacional”, disse.

drogas

Segundo Helen Vivili Santana Carmona, diretora técnica adjunta da Fundação Criança, grande parte dessa violência contra crianças e adolescentes tem como motivação principal o uso de álcool ou de drogas pelos pais. “Temos um índice grande de pais com problemas psiquiátricos e que fazem uso abusivo de álcool, que são geradores de violência”, explicou.

Outro fator que contribui para a violência doméstica contra crianças e adolescentes, disse Helen, é a ineficiência do Estado. “A violência doméstica é gerada por uma ineficiência do Estado. A falta dessa rede de atendimento e de serviços, que contemple a necessidade da família, faz com que essa violência esteja aí, latente, nas famílias mais vulneráveis”, acrescentou.

Pela ineficiência do Estado, esclareceu Helen, entende-se a falta de uma política habitacional adequada, falta de políticas envolvendo a empregabilidade e também questões nas áreas de saúde, educação e até atendimento psicológico precário ou inexistente.

“Essas famílias têm essa dificuldade financeira e isso acaba gerando outros tipos de violência. A questão financeira é geradora das demais violências. Já tivemos relatos de mães que tiveram seus filhos acolhidos por conta da questão financeira e que acabaram agredindo o filho porque ele pediu comida”, conta Helen. “O Estado precisa olhar para essas questões”.

Impunidade

Alves citou outro motivador da violência doméstica. “O que estimula a violência é também a impunidade”, disse. Para ele, todos os órgãos que trabalham com a questão envolvendo a defesa dos direitos da criança e do adolescente, “desde a denúncia no Disque 100 [federal] ou no 181 [estadual], passando pelo Conselho Tutelar, pelas delegacias, pelas promotorias ou varas especializadas” precisam funcionar e atuar de forma integrada para combater a impunidade. Também é necessário, destacou, criar, ampliar ou melhorar as redes de proteção social de atendimento familiar para prevenir os casos de violência. A ideia seria, na sua opinião, educar os pais para que possam educar seus filhos.

Lucas vive há cerca de um ano em um dos abrigos em São Bernardo do Campo. Lá, ele e a família passam por acompanhamento psicológico, educacional e social. Alguns dos fins de semana Lucas passa com a família. “Agora eu não apanho mais”, contou. A ideia do programa desenvolvido na Fundação Criança é que Lucas volte a viver com a família, agora mais preparada para educá-lo. “A nossa proposta é a de reintegração familiar”, acrescentou Helen Santana.

Fonte: DM.com.br/cidades

Enviado por Magno Medeiros, doutor em comunicação e diretor da faculdade de comunicação social da Universidade Federal de Goiás, em 30 de dezembro de 2012.