16 de out. de 2021

O papel da natureza na recuperação da saúde e bem-estar das crianças e adolescentes durante e após a pandemia de COVID-19 - Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)

 


“Então, afetamos o futuro de nossos filhos. À medida que destruímos o meio ambiente, todos destruímos o futuro deles, mas acredito que não seja tarde demais.”

Começo da Vida 2 – Lá Fora


O papel da natureza na recuperação da saúde e bem-estar das crianças e adolescentes durante e após a pandemia de COVID-19 - Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)

Grupo de Trabalho Criança, Adolescente e Natureza

Coordenação: Luciana Rodrigues Silva (SBP), Maria Isabel Amando de Barros (Instituto Alana, relatora)

Membros: Daniel Becker, Dirceu Solé, Evelyn Eisenstein, Liubiana Arantes de Araújo, Maria Isabel Amando de Barros, Ricardo Ghelman, Virgínia Weffort

 

Crianças e adolescentes estão experimentando e sentindo o impacto da Covid-19 de várias maneiras diferentes: mudanças na relação com a escola, maior permanência em casa com as famílias, aumento do tempo de uso de telas, assim como mudanças em sua saúde física, emocional e bem-estar. Pesquisadores em todo o mundo ainda tentam estimar os impactos emocionais, físicos e cognitivos do longo tempo de isolamento decorrente da pandemia e do estresse dentro das famílias.

Uma metanálise que avaliou dados de 29 estudos, incluindo 80.879 jovens de todo o mundo, concluiu que as estimativas de incidência de depressão e ansiedade infantil e no adolescente, durante a pandemia de Covid-19 são da ordem de 25,2% e 20,5%, respectivamente. O estudo concluiu ainda que a prevalência de sintomas de depres­são e ansiedade durante a Covid-19 dobrou, em comparação com as estimativas pré­-pandêmicas. ¹

No Brasil, uma pesquisa realizada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV) indicou que, na pandemia, 27% das crianças de 0 a 3 anos voltaram a ter comporta­mentos que tinham quando eram mais novas, segundo a percepção dos pais.² Embora saibamos que regressões geralmente são transitórias, essa é uma evidência importante do impacto do isolamento nas crianças pequenas.

Em outro levantamento também realizado pela FMCSV, dessa vez em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, crianças da pré-escola, entre quatro e cin­co anos, apresentaram sinais de déficit no desenvolvimento da expressão oral e cor­poral no período de suspensão das aulas presenciais, de acordo com a avaliação dos educadores.³

Em relação aos adolescentes no Brasil, uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre os impactos da pandemia nessa população apontou que 48,7% têm sentido preocupação, nervosismo ou mau humor, na maioria das vezes ou sempre. Houve aumento no consumo de doces e congelados, bem como no sedentarismo: o percentual de jovens que não faziam 60 minutos de atividade física em algum dia da semana antes da pandemia era de 20,9%, e passou a ser de 43,4%. 4

Já bastante confinados antes da pandemia, as crianças e adolescentes ficaram ainda mais sedentários e perderam as poucas oportunidades que tinham de brincar, praticar atividades físicas e conviver entre si, do lado de fora, vinculando-se com a natureza e com a vida. Precisaremos de todos os esforços possíveis a fim de mitigar os impactos da pandemia e fortalecer essa geração que irá enfrentar tantos desafios, incluindo os im­pactos das alterações climáticas, a desigualdade social e econômica, e as consequências das rápidas mudanças tecnológicas.

Há evidências sólidas de que criar e possibilitar o acesso de crianças, jovens e famílias a espaços naturais diversos e acolhedores pode contribuir muito para a recuperação de sua saúde e bem-estar, bem como para o fortalecimento de vínculos e conexões sociais. 5 Afinal, as áreas verdes são soluções baseadas na natureza não apenas para as questões ambientais, mas também para a melhoria da saúde pública. Simultaneamente, aumentar o número de áreas verdes seguras e conservadas, e distribuí-las de forma mais equâni­me no território, nos ajudará a construir uma cidade mais segura, sustentável, resiliente, includente e solidária.6

As atividades físicas, naturalmente desenvolvidas em contato com a natureza, apre­sentam potencial para reduzir a gravidade das infecções por Covid-19 pelos efeitos positivos dos exercícios sobre a imunidade, hábitos de sono, pressão arterial, controle do peso, glicemia e infecções respiratórias virais. Adicionalmente os benefícios para a saúde mental são enormes, desde a redução do estresse contínuo e dos sintomas de depressão e ansiedade, com reequilíbrio hormonal do cortisol e sua repercussão no sis­tema imunológico e nas inflamações.7  

Um amplo estudo nacional desenvolvido no Canadá sobre as experiências e atitudes de crianças e jovens durante a pandemia, no qual meninos e meninas foram ouvidos, relata que o brincar e o acesso às áreas abertas e naturais - como ruas, praças e parques - foram apontados como fatores de influência para vivências mais positivas durante o período da pandemia, incluindo experiências escolares mais satisfatórias, maior bem-estar, mais atividade física, menos tempo de telas e menos estresse. O estudo também ressalta a desigualdade relacionada ao acesso a esses benefícios. Crianças e jovens que vivem em apartamentos pequenos, longe de áreas verdes qualificadas, são em sua maioria negros e indígenas e vêm de famílias de baixa renda.8 No Brasil, essa desigualdade também é evidente, com a maioria da população vivendo em áreas urbanas, em contextos que vão desde crianças restritas aos playgrounds dos edifícios até territórios vulneráveis e sem acesso a áreas verdes e equipamentos públicos qualificados.

O reconhecimento do direito ao brincar e ao convívio do lado de fora, ao ar livre, em contato com a natureza, está fundamentado em diversos marcos legais ligados à in­fância e é reconhecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria como uma prioridade.9 Durante a pandemia, esse direito foi negado tendo em vista a necessidade de prevenir a transmissão viral. Agora é o momento de rever estratégias e trabalhar pela redução dos danos. Acreditamos que fomentar o acesso ao brincar e ao convívio social ao ar livre, sem aglomerações e sempre usando máscaras, ajudará a mitigar o longo impacto da pandemia na saúde e no bem-estar de uma geração de crianças e adolescentes.

Recomendações para os pediatras:

– Orientar que as crianças e adolescentes tenham acesso diário, no mínimo por uma hora, a oportunidades de brincar, aprender e conviver com a - e na - natureza para que possam se desenvolver com plena saúde física, mental, emocional e social.

– Acolher famílias apreensivas e impactadas com perdas, traumas e medos, e avaliar junto aos pais e mães formas seguras de realizar atividades de lazer a céu aberto, ressaltando o efeito terapêutico e curativo que esses momentos podem trazer: procu­rar um local pouco visitado ou visitar parques e praças fora do horário de pico; usar máscaras; higienizar as mãos com frequência; evitar aglomerações; em caso de pas­seios em pequenos grupos com outras famílias e amigos, não compartilhar alimentos, bebidas e utensílios.

– Planejar com as famílias uma “dieta de natureza”, de forma que as crianças e adoles­centes possam retomar o hábito de brincar e conviver ao ar livre de forma cotidiana e frequente: brincar no parquinho mais próximo pelo menos uma hora por dia; fazer um passeio ou caminhada na rua/praça/orla da praia ou lagoa uma vez na semana; fazer um piquenique num parque diferente uma vez ao mês, priorizando a alimenta­ção saudável; e, eventualmente, planejar viagens para locais onde as crianças possam usufruir dos espaços abertos com autonomia, liberdade e segurança.

Recomendações para as famílias:

-  Priorizar toda e qualquer atividade de lazer e convívio social em espaços aber­tos, ao ar livre e com elementos naturais como grama, areia, terra, árvores e plantas, com os quais as crianças possam interagir dentro de seu próprio ritmo e tempo.

- Sugerir e incentivar que as escolas incluam aprendizagens ao ar livre nos protocolos de retomada das aulas presenciais. O uso de espaços ao ar livre, como pátios, qua­dras e jardins, se apresenta como uma forma de diminuir os riscos de transmissão do coronavírus e, ao mesmo tempo, colabora na promoção de saúde e bem-estar dos educadores e estudantes.10

– Manter os cuidados protetivos: usar máscaras de forma adequada, lavar sempre as mãos e/ou higienizá-las com álcool em gel, evitar aglomerações e festas e, em caso de quaisquer sintomas, ficar em casa e testar os envolvidos.

Recomendação geral:

– Apoiar iniciativas da sociedade civil e políticas públicas destinadas a aumentar o acesso e o contato das crianças e das famílias, especialmente as mais vulneráveis, com a natureza, o ar livre e a conservação das áreas naturais.

Referências:

01. Racine N, McArthur BA, Cooke JE, Eirich R, Zhu J, Madigan S. Global Prevalence of De­pressive and Anxiety Symptoms in Children and Adolescents During COVID-19: A Meta­-analysis. JAMA Pediatr. 2021 Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jamape­diatrics/fullarticle/2782796?resultClick=1. doi:10.1001/jamapediatrics.2021.2482. Acesso em 17 de setembro de 2021.

02. Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Primeiríssima Infância - Interações na pandemia: Comportamentos de pais e cuidadores de crianças de 0 a 3 anos em tempos de Covid-19; 2021 Disponível em: https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/primeirissima-infancia­-interacoes-pandemia-comportamentos-cuidadores-criancas-0-3-anos-covid-19/ Acesso em 20 de setembro de 2021.

03. Para 78% dos professores, crianças da pré-escola têm expressão oral e corporal afetadas du­rante a pandemia, diz pesquisa; G1; Educação; 29/03/2021 Disponível em: https://g1.globo. com/educacao/volta-as-aulas/noticia/2021/03/29/para-78percent-dos-professores-criancas­-da-pre-escola-tem-expressao-oral-e-corporal-afetadas-durante-a-pandemia-diz-pesquisa. ghtml/ Acesso em 20 de setembro de 2021.

04. Fundação Oswaldo Cruz. Pesquisa da Fiocruz aponta os impactos da pandemia na rotina dos adolescentes brasileiros, 2020 Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/pesquisa-da­-fiocruz-aponta-os-impactos-da-pandemia-na-rotina-dos-adolescentes-brasileiros/ Acesso em 10 de setembro de 2021.

05. Chawla L. Benefits of Nature Contact for Children. J Plann Liter. 2015;30(4):433-452. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0885412215595441/ doi:10.1177/0885412215595441. Acesso em: 20 de setembro de 2021.5

06. Sugar S. The Necessity of Urban Green Space for Children’s Optimal Development. UNI­CEF. Disponível em: https://www.unicef.org/media/102391/file/Necessity%20of%20 Urban%20Green%20Space%20for%20Children%E2%80%99s%20Optimal%20Develop­ment.pdf/ Acesso em: 20 de setembro de 2021

07. Sallis JF, Pratt M. Multiple benefits of physical activity during the Coronavirus pandemic. Rev. Bras. Ativ. Fís. Saúde. 14/09/2020 [acesso em: 20 setembro 2021]; 25:1-5. Disponível em: https://rbafs.emnuvens.com.br/RBAFS/article/view/14268/

08. Maximum City. COVID-19 child and youth study: the role of play and outdoor space; 2021 Disponível em: https://static1.squarespace.com/static/5a7a164dd0e628ac7b90b463/t/6053 601208bc3850abd83bcf/1616076821403/COVID-19+Child+and+Youth+Study_+PLAY+ AND+OUTDOOR+SPACE+REPORT+v2.pdf Acesso em 20 de setembro de 2021.

09. Sociedade Brasileira de Pediatria, Instituto Alana. Manual de Orientação - Benefícios da Natureza no Desenvolvimento de Crianças e Adolescentes; 2019 Disponível em: https:// criancaenatureza.org.br/wp-content/uploads/2019/05/manual_orientacao_sbp_cen.pdf Acesso em 20 de setembro de 2021.

10. Instituto Alana. Planejando a reabertura das escolas: a contribuição das pesquisas sobre os benefícios da natureza na educação escolar Disponível em: https://criancaenatureza.org. br/wp-content/uploads/2020/08/Planejando-a-reabertura-das-escolas.pdf Acesso em 20 de setembro de 2021.

Para mais informações:


O documentário O Começo da Vida 2: Lá Fora, que conta com o apoio da Sociedade Brasileira de Pediatria e está disponível nas principais plataformas digitais, é uma gran­de fonte de informação e inspiração para mobilizar esforços por mais natureza para as crianças e mais crianças na natureza. No site do filme, é possível acessar diversos ma­teriais de apoio direcionados às famílias, aos educadores e aos profissionais de saúde.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Participe! Adoraria ver publicado seu comentário, sua opinião, sua crítica. No entanto, para que o comentário seja postado é necessário a correta identificação do autor, com nome completo e endereço eletrônico confiável. O debate sempre será livre quando houver responsabilização pela autoria do texto (Cida Alves)