20 de jun. de 2021

Poema para a catástrofe do nosso tempo - Alberto Pucheu

 




















Foto: Marcos Alleoti - Performance do bloco Não é Não no Ato #ForaBolsonaroGoiânia -29 de maio de 2021.


Poema para a catástrofe do nosso tempo

 

[...] Sigamos
lutando como nos for
possível, sigamos lutando
com nossas palavras,
com nossos afetos,
com nossos corpos,
mesmo na não audição
de nossos gritos.
Sigamos lutando
para a poesia
não desfalecer diante
do que estamos vivendo,
para ela viver ainda
mais, para ela dar
mais vida, para ela tocar
os nervos e o coração
de modo a sustentar
nossa feroz discordância,
nossa revolta convulsiva-
mente escrita, para ela
testemunhar algo que,
tocando o que poderia
ser chamado de verdade,
com seu documentário,
com seus rabiscos
de diários, cartas,
estudos, anotações,
matérias, improvisos,
mesmo em seu atropelo
e com inúmeras lacunas,
escape às notícias falsas
e às vozes dos poderosos.
Que se tenha aqui um registro
para que se possa, um dia,
quem sabe, pelos sintomas
narrados, investigar a doença
maior do nosso tempo,
ganhando antídotos sociais,
vacinas políticas, curas
históricas de modo que ela,
em hipótese alguma, retorne.
Um país que elegeu
esse presidente é de todo modo
um país doente, um país
que produziu a mais letal
das doenças terminais.
Ao menos por uma tarde,
entretanto, alegremo-nos
com o fogo amigo deles.
Talvez não seja tão pouco
assim; talvez, nessa guerra
entre os diversos agentes
dos múltiplos poderes,
alguma brecha acabe
por se abrir, por onde
possa se dar uma disjunção
do tempo, uma fratura
na continuidade dos fatos,
um contrapelo da história,
por onde consigamos,
mais uma vez, e de novo,
romper aquilo que,
neste país imenso, desde
sempre trabalha, com todo
poder, para se impor, mas
tenhamos a certeza
de que amanhã não será
um dia melhor do que hoje,
que não é um dia
melhor do que ontem.”


Alberto Pucheu







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