Diário das Sombras - Jornal
Vivo*
Primeiro ato - leitura de fragmentos de notícias que denunciam
violências institucionais, cometidas por agentes do Estado que deveriam
proteger crianças e adolescentes.
1) O caso dos meninos assassinados pelo pai e pela
madrasta
“Em 5 de setembro de 2008, os irmãos João Vitor dos Santos
Rodrigues, 13 anos, e Igor Giovani dos Santos Rodrigues, 12, foram
assassinados, esquartejados e jogados no lixo pelo pai, João Alexandre
Rodrigues, e pela madrasta, Eliane Aparecida Antunes”
Veja.com, 13 de janeiro de 2010
“A Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo começou a
apurar nesta segunda-feira se a morte dos irmãos poderia ter sido evitada. Para
o desembargador Antônio Carlos Malheiros, não houve erro na decisão da juíza
Isabel Cardoso da Cunha Lopes Enei, da Terceira Vara da Comarca de Ribeirão
Pires, que autorizou a volta das crianças para a casa do pai, depois de terem
passado nove meses num abrigo para menores. A juíza tomou essa decisão com base
no laudo assinado pela psicóloga e assistentes sociais. Segundo o laudo, um
abrigo deve ser provisório e a família é o melhor ambiente para as crianças
permanecerem.
Os dois meninos foram para o abrigo depois de denúncias de
maus-tratos contra o pai e a madrasta. Na delegacia de Ribeirão Pires, já havia
dois boletins de ocorrência contra eles. No abrigo, os irmãos passaram por
avaliação da psicóloga Verônica Topic, e deixaram o local com autorização do
Conselho Tutelar. Para a psicóloga, as crianças 'manipulavam a realidade para
obter vantagens' ao dizer que eram maltratadas”.
Extra, 8 de setembro de 2008.
2) Robin Camp - juiz canadense
Juiz pergunta a uma mulher em julgamento por estupro: “Por que
simplesmente não deixou as pernas fechadas?”
Magistrado canadense humilhou jovem que denunciou agressão
sexual e acaba renunciando
Era uma audiência por estupro e o juiz canadense Robin Camp se
dirigiu à suposta vítima, de 19 anos, e lhe disse em voz alta: “E por que
simplesmente não manteve as pernas fechadas? ”. Depois, após se referir à jovem
como “acusada”, afirmou: “As mulheres jovens gostam de fazer sexo,
especialmente se estão bêbadas; mas o sexo
El país, 10 de março de 2017
3) Eduardo Luiz de Abreu Costa – Juiz que absolveu
Moacir Rodrigues Mendonça - delegado da Polícia Civil de São Paulo, acusado de
estupro contra a própria a neta, que tinha 16 anos na época da denúncia.
Sentença do magistrado:
“A não anuência à vontade do agente, para a configuração do
crime de estupro, deve ser séria, efetiva, sincera e indicativa de que o
sujeito passivo se opôs, inequivocadamente, ao ato sexual, não bastando a
simples relutância, as negativas tímidas ou a resistência inerte. Não há prova
segura e indene de que o acusado empregou força física suficientemente capaz de
impedir a vítima de reagir. A violência material não foi asseverada, nem
esclarecida. A violência moral, igualmente, não é clarividente, penso”, escreveu
o juiz Luiz de Abreu Costa.
Informações do processo:
“O delegado teria levado a neta, então com 16 anos, para um
quarto do hotel Thermas dos Laranjais, em Olímpia, e abusado sexualmente dela,
em setembro de 2014. Conforme relatou durante a investigação pela Corregedoria
da Polícia Civil, inicialmente a adolescente ficou sem reação, perplexa com a
investida do avô.
Consumado o ato, segundo ela, o familiar ainda advertiu que
‘isso fica entre nós’. A suposta violência veio à tona vinte dias depois,
quando a adolescente foi flagrada no quarto com um revólver do pai, policial
militar, tentando o suicídio”.
Estadão, 20 de maio de 2016
4) Alessandro Thiers - Polícia afasta delegado que
disse não saber se houve estupro coletivo
“Após afirmar que não estava convencido de que realmente houve
estupro coletivo no caso da menina de 16 anos estuprada por mais de 30 homens
no Rio de Janeiro, o delegado Alessandro Thiers foi afastado do caso pela
Polícia Civil.
A advogada da vítima, Eloísa Samy, e o Ministério Público
pediram o afastamento de Thiers alegando machismo e misoginia no tratamento da
adolescente.
‘Ele não tem condições de conduzir esse caso. Durante o
depoimento da vítima, fez perguntas que claramente tentavam culpá-la pelo
estupro. Ele chegou a perguntar: 'Você tem por hábito participar de sexo em
grupo'. Não acreditei e encerrei o depoimento’, disse Samy à BBC Brasil”.
BBC Brasil, 29 de maio de 2016
5) Theodoro Alexandre da Silva Silveira – promotor
que humilhou e ofendeu adolescente vítima de estupro cometido pelo próprio pai.
Palavras do promotor
"(...) Tu fez eu e a juíza autorizar um aborto e agora tu
te arrependeu assim? Tu pode pra abrir as pernas (...) pra um cara tu tem
maturidade (....) e pra assumir uma criança tu não tem?"
“sabe que tu é uma pessoa de sorte, porque tu é menor de 18,
se tu fosse maior de 18 eu ia pedir a tua preventiva agora”.
“Vamo. Tu teve coragem de fazer o pior, matou uma criança,
agora fica com essa carinha de anjo” (se referindo ao aborto feito com
autorização da Justiça pela vítima).
O caso ocorreu em fevereiro de 2014, na cidade de Júlio de
Castilhos, na região central gaúcha. O pedido de investigação foi feito por um
desembargador da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do estado. A menina,
à época com 13 anos, teria engravidado depois de anos de abuso. Ela denunciou o
pai, que foi preso. Mas, após um ano, a vítima negou que ele seria o
estuprador. Segundo a desembargadora Jucelana Lurdes Pereira dos Santos,
relatora do processo, a adolescente teria sido pressionada pela família.
Estadão, 09 de setembro de 2016
G1, 08 de setembro e 2016
6) Clarice Maria de Andrade – Juíza responsável por
manter a menor L.A.B. presa por 26 dias numa cela masculina em Abaetetuba, no
Pará
“Em 21 de outubro de 2007, a menor L.A.B. foi presa em
Abaetetuba, no Pará, sob a acusação de tentar furtar um telefone celular. Tinha
15 anos, menos de 40 quilos e um metro e meio de altura. Levada para a
delegacia da cidade de 130 mil habitantes, a quase 100 quilômetros de Belém,
passou os 26 dias seguintes numa cela ocupada por mais de 20 homens. Durante
todo o tempo, o bando de machos serviu-se da única fêmea disponível. Estuprada
incontáveis vezes, teve cigarros apagados em seu corpo e as plantas dos pés
queimadas enquanto procurava dormir. Alguns detentos, aflitos com as cenas
repulsivas, apelaram aos carcereiros para que interrompessem o calvário. Os
policiais preferiram cortar o cabelo da adolescente com uma faca para camuflar
a aparência feminina. A rotina de cinco ou seis relações sexuais diárias foi
suspensa apenas nos três domingos reservados a visitas conjugais. O tormento só
acabou com a intervenção do conselho tutelar, alertado por uma denúncia
anônima”.
Veja.com, 13 de outubro de 2016.
7) Capacetes Azuis - Soldados de forças de paz são
acusados de abusar de crianças em zonas de conflito.
Investigação mostra que soldados franceses exigiam serviços
sexuais em troca água e biscoitos na República Centro-Africana.
“GENEBRA - Soldados de tropas internacionais de paz são
acusados novamente de estuprar crianças em zonas de conflito. Na manhã desta
sexta-feira, 29, a ONU confirmou que está investigando novas denúncias feitas
por meninas na República Centro Africana dizendo que foram ‘sexualmente
exploradas’ por tropas internacionais. Os crimes teriam ocorrido em 2014, mas
apenas agora estão sendo divulgados.
[...]Um outro garoto de nove anos e uma menina de sete foram
questionados diante de alegações de que foram violentados por tropas francesas.
‘A garota disse que fez sexo oral com soldados franceses em troca de uma
garrafa de água e biscoitos’, diz a ONU em um comunicado. Tanto ela como o
garoto disseram ter sido ‘abusados de forma repetida por vários soldados
franceses’.
Estadão, 29 de janeiro de 2017
8) Durante anos muitos menores foram abusados em um
centro da Igreja Católica, na Argentina. Ninguém quis ouvir as denúncias das
vítimas ou seus familiares
“Eram crianças, surdas e muito pobres. As vítimas ideais. Foi
fácil convencê-las a não contar nada. E se contassem, como aconteceu com
algumas, ninguém iria acreditar nelas. Ainda hoje, com vinte e poucos anos,
surpreendem advogados e promotores pelos rostos de terror que fazem em rodadas
de reconhecimento quando veem o padre Corradi, de 82 anos. [...] Realizados
principalmente por sacerdotes, às vezes com a ajuda de uma freira que testava
meninas e meninos para encontrar os mais fracos e entregá-los aos sacerdotes.
[...] Várias testemunhas concordam. Primeiro, a freira
KumikoKosaka batia nos menores para testá-los. Aqueles que resistiam, se
salvavam. Os que eram submissos acabavam sendo abusados”, explica Sergio
Salinas, advogado de várias vítimas e grande incentivador da causa apoiado por
sua associação, Xumek.
[...] Cintia está especialmente machucada. Se tivessem
prestado atenção nela poderiam ter evitado muitas vítimas. Em 2008, ela viu que
seu filho, internado no Provolo, estava muito mal. “Dormia com a luz acesa,
começou a se machucar, cortava os braços, as pernas, disse que não queria ficar
lá. E um dia me trouxe um desenho pornográfico, era uma pessoa mais velho
fazendo sexo oral em outra. Tinha colocado olhos como se outros estivessem
olhando. Me disse que tinha sido forçado a fazer sexo oral com outro aluno”.
Cintia foi até a escola escandalizada. Mas ali pediram para não que não
contasse nada, prometeram que iriam afastar o responsável. Ela fez a denúncia e
tirou a criança. Ninguém a levou a sério.
“Nem mesmo as mães acreditaram em mim. Disseram que meu filho
e eu éramos briguentos. Teria parado aí. Mas não. Continuou até 2016. Isso é o
que dói mais”. Alguns hoje têm filhos, têm dificuldade para contar o que
fizeram com eles. Mas dão força uns anos outros. Alguns eram tão pequenos que
não podiam transmitir o que acontecia, não sabiam. Encontramos muitos que se
autolesionavam porque não podiam dizer o que estavam fazendo com eles. Agora
querem falar ao vê-los presos. Um garoto que agora vive na província de San
Luis nos contou: ‘Se eles forem soltos, eu me mato’”.
El país – 14 de maio de 2017
Após anunciar cada notícia a leitora marca de vermelho o corpo da menina da escuridão.
Segundo Ato - Canto de dor
“Dissestes que se tua voz
Tivesse força igual
À imensa dor que sentes
Teu grito acordaria
Não só a tua casa
Mas a vizinhança inteira”
Retirada das cores e da flores da menina
Terceiro Ato - Leitura da Carta da Escuridão
AQUI estou, ferida aberta. Criatura
encantoada entre paredes, sou toda dor e medo. Todas as minhas feridas gritam,
mas nem sempre meu grito tem voz. Às vezes são sussurros, gemidos, sons
abafados pelo medo. Medo é coisa muito esquisita! Muda a ordem das coisas, confunde
minhas vontades, quero correr ele me petrifica, quero gritar ele deixa boba minha
língua. Ainda não entendi direito, acho que o medo é um amigo estranho, mas que
no fundo quer me protege da morte, da destruição de meu espírito. Ora, será que
ele não vê que nesse lugar escuro, a morte até parece um doce convite de paz e aconchego.
No desespero, frente a frente com meu
carrasco, confesso: já chamei por ela muitas vezes. Desespero é palavra que me
encabula, minha professora diz que o “des” aí é não. Não espero, é isso, não
espero, não consigo esperar mais. O tempo daqui é diferente do seu, cada
segundo se estica em um sem fim de dor. Mas que bobagem! A morte é fraca, ela
não vence a violência. Ela não morre comigo e depois ainda virá mutilar o
espírito de minhas irmãs e meus irmãos, sagrar o corpo de minhas filhas e meus
filhos, ahhh e meus netos e netas. Quando penso nisso meu desespero não tem
tamanho, nem cabe mais em mim.
AQUI sem forças, rendida no chão, um
fio delicado ainda me mantém viva, esse fiapo de nada se chama esperança.
Esperança de que logo chegará alguém mais forte do eu - forte de verdade, mais
forte até do que aquele que me ofende e fere, pra acabar com esse inferno, e
dizer bem alto:
- Isso não pode!
- Nunca mais permitirei que te
machuque assim. - ACABOU, ACABOU, ACABOU!
AQUI dentro, na briga
entre o desespero e a esperança, um único sonho me sustenta, que alguém LUTE
POR MIM.
___________
* Jornal Vivo "(ou jornal dramatizado), técnica criada por Moreno no início dos anos 20,
não é somente teatral, mas, acima de tudo, sociodramática. ‘Mesmo que um jornal
impresso traga reportagens, a descrição dos acontecimentos é feita em palavras.
Mas num jornal vivo o evento tinha que ser dramatizado de acordo com as
características culturais da localidade. Os papéis e
o contexto tinham
que ser retratados
para adquirir significado, nos
gestos, movimentos e todas as formas de interação características de um
particular contexto cultural’”.
Atrizes da Trupe:
Primeira leitora - Sheila Cunha
Segunda leitora - Railda Martins
Terceira leitora - Adriana Crispim
Quarta leitora - Lady Maria
Quinta leitora - Ionara Rabelo
Sexta leitora - Marta Silva
Sétima leitora - Kellen Alves
Oitava leitora – Maria Aparecida Braga dos Santos
Desatadoras: Alcione Vieira Rocha e Cecília Alves
Menina da escuridão: Cida Alves
Desatadoras: Alcione Vieira Rocha e Cecília Alves
Menina da escuridão: Cida Alves
Autoria da "Carta da Escuridão": Cida Alves
Fotos: Paulo Rikardo, Agenor Moraes, Elaine Mesquita e Cecília Alves
Música: Há tempos - Legião Urbana
Lindo! Imagino que tenha sido emocionante esta apresentação. Gostaria de ter participado.
ResponderExcluirAbraços e parabéns!