Caro general
Antonio Mourão, desde sábado (16), é que se multiplicam vossa
manifestação nas
redes sociais, blogues, sites, portais e afins por conta de tua última
palestra, em Brasília, em evento ligado à maçonaria quando, em ameaça
velada,
falaste abertamente de intervenção militar, como se contasses com o
amparo de teus companheiros de armas, ou seja, o próprio generalato
tupiniquim. Na caserna, o tiro parece ter saído pela culatra.
Ao invés de
um palavrório decente, apaziguador em momentos de crise democrática – sim,
porque a democracia e os direitos do povo foram usurpados por Temer e sua
quadrilha – assistimos, atônitos, a cantilena de um militar estreludo,
talvez um delfim tardio dos tiranos que ensejaram o golpe militar em 64 e que
levaram as forças armadas brasileiras a cometer crimes hediondos, de
lesa-pátria, com torturas, assassinatos, exílios, perseguições, censura e
desaparecimentos forçados.
Entre
militares decentes deves estar passando vergonha, muita vergonha. Sim,
porque quero crer que há militares decentes, gente preocupada com o futuro do
país e que detesta a verborragia bolsonazi e o discurso do medo, próprio
dos fascistas de plantão, ávidos por quarteladas, linchamentos e carne humana
violada.
Confesso
general, desde ontem estou me remoendo. O sentimento que nos alcança é de
assombro. Meus amigos, família, pessoas que amo estão intimidadas, sequestradas
pelo pavor que tal irresponsabilidade enseja. Os dias estão muito estranhos e o
medo é uma potente arma ideológica, assim foi no Reich de Hitler ou no “Brasil
Grande” do Garrastazu.
Sabe
general, sou de uma geração de perseguidos políticos. Meus pais eram
estudantes
da Universidade de Brasília (UNB), amantes das liberdades, do Chico
Buarque e
dos Beatles e sem cometer qualquer tipo de crime - a não ser o de
opinião -
foram presos em outubro de 1971 e submetidos a terríveis torturas, além
de
condenações pela famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN), dispositivo
que
transformou o Brasil num purgatório de lobos bem felpudos, como o
coronel Brilhante Ustra ou o major Sebastião Curió, conhecidos
torturadores.
Eu nasci na
prisão e tive um irmão gerado no cárcere: o serpentário dizia que “Filho dessa
raça não deve nascer” e isso ocorreu dentro das dependências do próprio
Ministério do Exército, lugar onde dás expediente como servidor público
federal. Deves saber que no subsolo do teu ganha-pão foi uma espécie de patíbulo secreto da
infâmia.
Minha mãe,
general Mourão, me pariu com 37 quilos, foi cortada e costurada sem anestesia e
não disse um ai. Depois de nascido - entre as feras do PIC - fui sequestrado
porque não haviam algemas para os meus pulsos de recém-nascido. Imagina que um
bebê de poucos dias era considerado inimigo do status quo, aliás, muitas
crianças assim foram tratadas pelo regime do terror. Como nós, o Cristo perseguido por Herodes.
Talvez a
Hecilda, minha mãe, atualmente professora da UFPa, tenha sido a única mulher a ter
tido dois filhos na prisão, sob peia. Meu pai foi morto em 1987 e seu
assassinato organizado por um ex-agente da comunidade de informações, James
Vita Lopes. Paulo Fonteles, pai amoroso de cinco filhos, era advogado e defendia trabalhadores rurais na Amazônia.
O que o
Brasil precisa general, com urgência, é a reconstrução da democracia, um
judiciário independente, uma mídia imparcial, um parlamento sensível aos
interesses da maioria na forma do respeito ao voto popular, de mais direitos,
de Estado Democrático e defesa da soberania nacional, além de uma forte
cruzada contra a ignorância, o desemprego, a pobreza, a violência, a corrupção, o racismo, a misoginia e a homofobia.
O fascismo levará o país à convulsão, além das vidas de uma geração que tem a
responsabilidade com a felicidade coletiva.
É muito
doloroso falar sobre isso general Antonio Mourão e lembrar que muitos foram
mortos pela histeria malsã que repetes, como um ventríloquo de satanás. Mas
minha tarefa também é a lembrança de que os tumbeiros que mancharam nosso solo
de vergonhas, como na escravidão ou na ditadura militar de 64, jamais poderão
ficar impunes.
Tenho pena
de ti general, estás num quarto escuro e sem janelas, vitima da própria bílis
que lanças no ar.
#DitaduraNuncaMais
Imagem: Nascido no cárcere da ditadura, Paulo Fonteles Filho escreve carta ao general Mourão
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