Testemunha diz que pecuarista já teria pago a policiais para retirar sem-terras de outra de suas propriedades. Evidências indicam que polícia agia lado a lado com seguranças privados.
Chacina em Pau D'Arco, Pará
Novo depoimento fortalece
suspeita de que policiais civis trabalhavam em associação com os seguranças da
fazenda Santa Lúcia, onde houve a chacina de dez trabalhadores rurais sem-terra
no Pará. Eles foram assassinados durante operação das polícias civil e militar
no dia 24 de maio em Pau D’Arco. Foi a maior chacina no campo dos últimos 20
anos.
A propriedade foi herança de Honorato Babinski a
sua esposa Maria Inez Resplande de Carvalho e três filhos. A fazenda Santa
Lúcia está no nome de um deles, Honorato Babinski Filho.
Essa não foi a primeira vez que a polícia matou dentro das terras da
família Babinski. Em 2013, em caso que ocorreu na fazenda Pantanal, de Maria
Inez Resplande de Carvalho, testemunha afirma que a pecuarista pagou um agente
da polícia civil para retirar posseiros de sua terra. Dias depois, em ação na
mesma propriedade, outro grupo da polícia civil atirou e matou o funcionário
que teria feito o pagamento.
A denúncia sobre o suposto pagamento de propina é um dos elementos da
investigação que busca descobrir se um grupo da polícia civil paraense estaria
trabalhando ilicitamente na defesa dos interesses dos Babinski.
A testemunha, Elizete Gomes da Silva, falou com
exclusividade à Repórter Brasil. Seu depoimento foi colhido pelo promotor
Alfredo Amorim, responsável pela investigação sobre a chacina no Ministério
Público Estadual. O caso está sendo investigado também pela Polícia Federal.
Elizete está expondo sua vida ao denunciar a
suposta corrupção policial em Redenção, cidade onde vive. Ela foi a única
entrevistada pela reportagem que concordou em publicar seu nome junto com as
denúncias sobre a polícia. O medo ronda as testemunhas e pessoas que têm
informações sobre a chacina. Há atualmente seis sobreviventes no programa de
proteção à testemunhas.
Apesar da presença da Polícia Federal na região, o
conflito continua a se desenrolar. Na última sexta-feira, 7 de julho, houve
mais um assassinato relacionado à fazenda Santa Lúcia. Rosenildo Pereira de
Almeida levou três tiros na cabeça na cidade de Rio Maria, a cerca de 60
quilômetros de Pau D’Arco. Ele era uma das lideranças do acampamento montado na
fazenda Santa Lúcia depois da chacina. Segundo a Comissão Pastoral da Terra,
Rosenildo recebia ameaças para abandonar a ocupação.
“Produtores rurais, fazendeiros, policiais e bombeiros, vocês não estão
sós nessa guerra”, disse o deputado estadual soldado Tércio Nogueira (PROS/PA),
seguido por aplausos. Na plateia, faixa dos policiais militares inativos de
Redenção anunciava “apoio aos companheiros do episódio Santa Lúcia em Pau
D’arco”.
Também estava presente ao ato o deputado federal
Éder Mauro (PSD/PA), que foi investigado por tortura em processo arquivado pelo
Supremo Tribunal Federal. Ele foi o mais votado do Pará em 2014 e integra a
chamada bancada da bala.
De volta à Assembleia Legislativa, em Belém,
Éder Mauro bateu boca e teve que ser contido pelos presentes para não
agredir o deputado estadual Carlos Bordalo (PT/PA). Presidente da Comissão de
Direitos Humano, Bordalo foi um dos responsáveis pela confecção do relatório
sobre a chacina.
Uma das conclusões do documento foi a menção
às possíveis motivações da violência contra os trabalhadores: “é plausível
afirmar que a operação tinha o propósito velado de desmantelar qualquer
capacidade de rearticulação da ocupação favorecendo os pretensos proprietários
e encerrando de vez o conflito agrário”.
O novo assassinato no dia 7 de julho é um
indicativo de que a investigação ainda não chegou aos culpados pelo crime.
Segundo a Liga dos Camponeses Pobres, organização da qual o trabalhador
assassinado fazia parte, Rosenildo participara da reconstituição do crime que
ocorreu dias antes no local, com a presença das policias federal, civil e
militar.
Testemunha diz que pecuarista já teria pago a policiais para retirar sem-terras de outra de suas propriedades. Evidências indicam que polícia agia lado a lado com seguranças privados.
Procurada pela reportagem sobre a denúncia, a
secretaria de segurança do Pará afirma que o superintendente Antonio Miranda
não estava presente na operação. “Por isso, não há necessidade de ser
investigado”, informa a nota. O superintendente não foi afastado de suas
funções.
A versão de confronto, inicialmente apresentada
pela polícia, foi descartada pelo promotor que investiga o caso. Sobreviventes
relataram que os policiais chegaram atirando e, depois de render alguns
trabalhadores, torturam e executaram um por um. (“Sobreviventes do massacre no Pará
descrevem execução e tortura”).
A principal frente de investigação agora é
descobrir quais policiais atiraram, a motivação das execuções, e se a violência
policial contra trabalhadores é uma prática associada ao pagamento de
propinas. “Uma linha importante é verificar se há uma ação sistemática de
policiais que matam trabalhadores rurais na região”, afirma Deborah Duprat,
subprocuradora-geral da República. “Outra frente são as empresas de segurança
privada. Quero saber se são empresas ou se são milícias organizadas”.
Trabalhadores que estavam no acampamento da fazenda Santa Lúcia e seus
familiares dizem que “todo mundo sabe que a polícia recebe dinheiro de
fazendeiro”. Segundo eles, pagar os policiais para reforçar a segurança nas
fazendas é uma prática comum na região.
Uma das trabalhadoras que integravam o
acampamento descreve, na condição de anonimato, como funcionam as ocupações e a
suposta reação dos fazendeiros em associação com a polícia: “A maioria das
fazendas aqui é formada de grilo [falsificação de documento]. O grupo [de
sem-terras] tenta buscar pra ver se a terra tem documento. Se não tem, reúne
toda a família, acampa e entra na justiça. Ou o fazendeiro procura a justiça,
que é difícil porque pela justiça ele vai gastar mais. Ou contrata outro
serviço. Com segurança e pistoleiro ele vai gastar muito menos. O fazendeiro
chega, paga, diz ‘eu quero o serviço assim e assim’. Eles [policiais] vão lá e
fazem”.
Um
mês antes da chacina, reintegração iniciou escalada de violência
Trabalhadores rurais sem-terra ocupam a fazenda
Santa Lúcia desde 2013, entre idas e vindas provocadas por três ações de
reintegração de posse. Antes da chacina, as principais lideranças e grande
parte dos trabalhadores acampados eram ligados por laços familiares. Entre os
dez mortos, sete eram da mesma família. Eles não faziam parte de um movimento
formal, embora estivessem em diálogo com algumas organizações, entre elas a
Liga dos Camponeses Pobres.
Um dos motivos que fazia o grupo insistir na ocupação era um processo
aberto pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que
negociava com os proprietários a compra da fazenda para fins de reforma
agrária. Embora a área ocupada pelos posseiros estivesse sem atividades, a fazenda
Santa Lúcia produz gado. Os trabalhadores sem-terra questionavam a documentação
da propriedade, alegando que os títulos foram obtidos por grilagem (fraude de
documentos para posse de terra) de área da união.
Na disputa que se estende há quatro anos, posseiros ouvidos pela
reportagem sob a condição de anonimato dizem que a relação com os seguranças e
policiais sempre foi tensa. Mas houve uma escalada de violência um mês antes do
massacre, a partir do dia 20 de abril desse ano, quando a polícia civil foi
cumprir a terceira ordem de reintegração de posse na fazenda Santa Lúcia.
Nessa mesma época, o pecuarista Babinski Filho contratou a empresa de
segurança Elmo, que agora está no centro da investigação.
No dia da reintegração, segundo o relato dos trabalhadores,
a polícia se deslocou pela fazenda lado a lado com os seguranças privados. O
nome mais mencionado pelos trabalhadores nos relatos sobre esse episódio é,
mais uma vez, o do delegado Antônio Miranda, superintendente da Polícia Civil.
“Ele falou que a gente era um bando de bandidos que estava ocupando fazenda
alheia”, diz um dos ocupantes, sempre sob a condição de anonimato.
Ainda sobre o dia da reintegração, outra testemunha diz que os policiais
e os seguranças privados coordenavam a queima dos barracos: “Um policial desceu
do carro e falou para o pistoleiro: quando eles acabarem de tirar as coisas,
mete fogo no barraco”. Em depoimento, um funcionário da fazenda confirmou que
dois pistoleiros foram contratados especificamente para colocar fogo nos
barracos.
Um dos trabalhadores denuncia que, embora tenha tentado tirar seus
pertences, o seu barraco foi queimado na presença da polícia. “Tinha a polícia
com pistoleiros, e tacaram fogo. Foi roupa, colchão, cesta básica. Não deu
tempo da gente tirar nada.”
A queima dos pertences é um ato ilegal e revela o aumento da hostilidade
contra os ocupantes. Para prevenir violações assim, foi criado um protocolo
para reintegrações de posse, uma série de diretrizes fixadas pelo Governo do
Estado. O protocolo nasceu em resposta ao massacre de Eldorado dos Carajás,
quando 19 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) foram mortos pela Polícia Militar durante manifestação em 1996.
Veja reportagem completa AQUI
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