28 de fev. de 2012

Medicalização de crianças transforma modo de ser em doença

Crianças ativas

Doenças inventadas

O Brasil vive uma epidemia de diagnóstico de transtorno de déficit de atenção, hiperatividade, transtorno de oposição desafiadora, depressão, dislexia e autismo em crianças e adolescentes.

Entre 5% e 17% de crianças encaminhadas para serviços de especialidades médicas recebem uma receita com medicações extremamente perigosas, como psicoestimulantes, antidepressivos e antipsicóticos.

O remédio tomou conta do processo de educação e atribuiu ao organismo da criança a responsabilidade pelo aprendizado.

Foi isto o que mais de 1.200 profissionais da área da saúde e educadores ouviram em duas sessões realizadas no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Medicalização do modo de ser

Segundo o pediatra Ricardo Caraffa, as crianças acabam sendo diagnosticadas muito rapidamente e de forma errônea sem receber nenhum outro tipo de atenção e análise.

Num esforço de reverter esse quadro, foi realizado em São Paulo, no mês de novembro, um fórum sobre o tema.

Cerca de 450 participantes de 27 entidades assinaram um manifesto no qual afirmam que a aprendizagem e os modos de ser e agir têm sido alvos da medicalização, transformando as crianças em consumidores de tratamentos, medicamentos e terapias.

"A venda de medicamentos à base de metilfenidato aumentou 1.000 por cento nos últimos anos. São dois milhões de caixas por ano. Esse número é muito expressivo", explicou Caraffa.

Diferenças pessoais, não doenças

Para a pediatra, professora e pesquisadora da Unicamp, Maria Aparecida Affonso Moysés, existem doenças e problemas de saúde que podem interferir com o desenvolvimento cognitivo e afetivo das pessoas.

Existem pessoas que aprendem com mais facilidade que outras e existem pessoas tranquilas, calmas, apáticas, agitadas, empolgadas e mais agressivas.

E entre os extremos há infinitas possibilidades.

Ainda segundo Moysés, existem diferentes modos de aprender e lidar com que já foi aprendido e cada um estabelece os seus próprios processos cognitivos e mentais para aprender.

"Cada ser humano é diferente do outro. Quais são as evidências científicas que comprovam que doenças biológicas e psiquiatras comprometem exclusivamente a aprendizagem?", questionou a pesquisadora que desenvolve um trabalho juntamente com Cecília Colares, da Faculdade de Educação, sobre déficit de atenção.

Retrocesso

Para a psicóloga da USP Marilene Proença Souza, a criança brinca, faz birra, chora e tenta impor sua vontade.

Mas, hoje em dia, quando ela corre um pouco mais é dita como hiperativa, se fala muito é rotulada de desatenta, e se troca letras no processo de alfabetização - o que é esperado - dizem que ela tem dislexia.

Segundo Marilene, ao diagnosticar a criança com algum distúrbio, a sociedade está deixando de considerar todo o processo de escolarização que produz o não-aprender e o não-comportar-se em sala de aula.

"Do ponto de vista da psicologia da educação, estamos vivendo um retrocesso. Estamos culpando a criança por não aprender e medicando-a. O remédio não pode ocupar o lugar da escola e da família. Se assim for, estamos invertendo valores do campo da saúde, da educação e da psicologia com relação ao desenvolvimento infantil e deixando de usar todos os instrumentos pedagógicos no início do processo de alfabetização", disse Marilene.

 

Fonte: Diário da Saúde em 16 de junho de 2011.

Colaboração: Avimar Junior, mestre em educação pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação – UFG e doutorando em Psicologia Social na instituição de ensino Universidade Federal da Bahia.

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