Por Frei Tito “[...] as pedras gritarão!” - Jean-Claude Rolland e Helvécio Ratton
“Falar,
falar de novo, sem fim, da tortura, para restaurar a língua na sua dignidade e
plenitude de ferramenta cultural, esta é a tarefa que se nos é exigida – eu
deveria dizer: sem querer – e que nos reúne hoje. Batismo de Sangue traz para
essa questão uma contribuição essencial e nova, a contribuição própria da
escritura cinematográfica que devolve à imagem, à semiótica do visual, um lugar
que a palavra, por sua própria abstração, não sabe mais preservar. Apraz-me que
a nossa reflexão sobre a tortura se enriqueça com esse novo dado. E quando eu
descobri este filme e entendido qual a nova força de testemunho representava,
eu pensei, eu também descobri, que era precisamente isso que havia nos
motivado, tão logo perdemos o Tito, quando experimentamos o terror de que fosse
se perder no esquecimento e na indiferença aquilo que o próprio Tito
testemunhara: que na própria continuidade do ‘curar’ e, embora nos deparássemos
com o irremediável da destruição psíquica, era imprescindível nos
testemunharmos, fazer falar tudo o que Tito havia deixado de marcas indiretas
daquilo que havia vivido, as notas espalhadas em seus cadernos, as palavras
trocadas aqui e ali com quem ele andava. Mas também seus sintomas tais como a
observação clínica os revelara sintomas pelos quais nos convencemos sempre mais
de que eram um reflexo da história trágica atravessada pelo sujeito, e não
apenas o efeito negativo de uma desestruturação psíquica. Compreender e
decifrar todos os detalhes contidos no delírio da vítima como a marca, o rastro
das violências sofridas e reconstruir o conjunto da mesma maneira que se compõe
um relato para cobrir um acontecido, tal foi a tarefa que nos cabia para salvar
a sua memória, na falta de termos sido capaz de salvar o homem. Daí o título
que escolhi para esta apresentação ‘Tratar, testemunhar.’
O
testemunho como revanche da palavra sobre a impotência que imposta pela prova
da tortura”.
Jean-Claude Rolland
“Tratar, testemunhar”, íntegra da palestra proferida pelo
psiquiatra francês Jean-Claude Rolland, que cuidou de Frei Tito de Alencar em
seu exílio (1974).Acesse AQUI.
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