Cena do documentário "Quem matou Eloá".
"É sangue mesmo, não é mertiolate.
E todos querem ver
E comentar a novidade.
Ó tão emocionante um acidente de verdade.
Estão todos satisfeitos
Com o sucesso do desastre:
- Vai passar na televisão”.
E todos querem ver
E comentar a novidade.
Ó tão emocionante um acidente de verdade.
Estão todos satisfeitos
Com o sucesso do desastre:
- Vai passar na televisão”.
Legião Urbana
_____________________
O impacto da espetacularização e da banalização da violência
Por Magno
Medeiros
Uma das mais importantes teses neste campo e a Teoria da Orientação. Nesta perspectiva, o conteúdo da mídia oferece uma orientação, uma estrutura de referência que determina a direção do próprio comportamento do sujeito. A mídia estimula e reforça modelos, principalmente entre as crianças. No entanto, esta orientação depende de muitas variáveis: conteúdo da mídia, frequência; formação e experiências passadas; controle social; ambiente familiar; cultura e situação socioeconômica etc. A exposição intensa a cenas de violência torna as crianças, em longo prazo, mais agressivas. Essa agressividade, porém, é maior entre as crianças naturalmente agressivas. Outro fator importante: o nível socioeconômico nada tem a ver com o comportamento violento. Ressalte-se que entre os adolescentes a situação é diferente: depende, em longo prazo, do grau de identificação que estes têm com certos personagens.
Por outro lado, a exploração da violência na mídia pode provocar um medo exagerado, uma ansiedade incontrolável. Tudo e todos passam a ser suspeitos; a desconfiança passa a ser o código predominante. Entre as crianças, este estado patológico dificulta a distinção entre ficção e realidade. Conforme a psicanalista Raquel Soiler (1981), os teledependentes, sobretudo as crianças, podem estar sofrendo de "televisiosis", uma espécie de patologia da contemporaneidade. O principal distúrbio deste mal seria uma síndrome de neurose, cujos sintomas são a mania de perseguição, a fobia e a desordem mental.
Na mesma linha de raciocínio, Georges Auclair (1970) afirma que as crônicas de fait divers servem para satisfazer substitutivamente as necessidades e desejos dos indivíduos: Esta "satisfação simbólica das frustrações" conferiria ao sujeito o poder imaginário de experiência intensa ou de liberdade total, liberdade para transgredir normas e valores socioculturais.
A teoria
da catarse é recusada, pelo menos parcialmente, pelos adeptos das teorias da
aprendizagem social e da orientação. Entende-se, nesta perspectiva, que a
catarse pode até funcionar para aliviar, relaxar, arrefecer ou sublimar as
pulsões agressivas do indivíduo. Entretanto, tal alívio ou relaxamento será
passageiro e tênue. Funcionará de maneira provisória, como gás de spray,
que inunda o ambiente, mas logo se dissipa no ar. O efeito catártico é, pois,
fluido, imediato e volátil. As tensões e pulsões negativas acabam emergindo,
como – para usar uma expressão de Freud – o inevitável “retorno do recalcado”.
Mas as formas de representação e o poder simbólico da violência na mídia não são iguais: eles variam quanto à forma, quanto ao conteúdo e quanto ao valor simbólico e ideológico da imagem ou mensagem. Explicando melhor, vamos pontuar a seguir os fatores (WILSON, apud CARLSSON, 1999, p. 74-77) que interferem no processo de recepção de imagens de violência, a partir de suas representações na mídia: 1) Natureza do perpetrador; 2) Natureza da vítima; 3) Uso de arma; 4) Extensão e intensidade de violência; 5) Realismo das imagens de violência; 6) Recompensas e punições; 7) Consequências da violência; 8) Humor/sarcasmo. Segundo Bárbara Wilson, há fatores de contexto (explícitos ou implícitos) que podem aumentar a aprendizagem social da violência. Entre tais fatores, citam-se os seguintes: perpetrador atraente, violência justificada, presença de armas, violência explícita, violência real, violência recompensada, violência em clima de humor ou complacência irônica. A violência explícita surge como a mais perniciosa, pois pode provocar tríplice consequência: aprendizagem social da violência, medo e dessensibilização.
Outra relevante pesquisa confirma a tese da síndrome do medo. Os pesquisadores Werner Ackermann, Renaud Dulong e Henri-Pierre Jeu (1983) chegaram às seguintes conclusões: a exposição intensa à televiolência pode provocar uma perda de diretrizes éticas e a promoção de uma insegurança e medo generalizados. Essa enxurrada de imagens de violência acabaria deflagrando uma certa espiral de violência na sociedade. Diante de tal situação de insegurança, os indivíduos optam por estar armados (fisicamente e psicologicamente), numa postura obsessiva de autodefesa.
Doutor em Educação pela
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FE/USP (1997), mestre em
Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo - ECA/USP (1991) e bacharel em Comunicação Social, habilitação em
Jornalismo, pela Universidade Federal de Goiás (1985). É professor associado da
Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás
(FIC/UFG), onde atua como docente e pesquisador na graduação e na
pós-graduação. É professor do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da UFG, linha de pesquisa Mídia e Cidadania, e do Programa de
Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos da UFG, linha de pesquisa
Práticas e Representações Sociais de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos.
Foi diretor da Faculdade de Informação e Comunicação da UFG por dois mandatos
(2009/2012 e 2013/2016). Foi também assessor de Imprensa da Reitoria/UFG e
coordenador de Jornalismo da ASCOM/UFG no período de 2006 a 2008. Coordenou a
área de Cultura da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC/UFG) no período de
2001 a 2004. Tem experiência na área de Jornalismo, tendo trabalhado no Grupo
Folha, dentre outras empresas e instituições. Sua atuação acadêmica enfatiza os
seguintes temas: comunicação, cidadania, direitos humanos, estudos de recepção
e televisão, assessoria de comunicação, ética da comunicação, gestão de
processos comunicacionais, jornalismo, publicidade e propaganda, violência e
processos midiáticos, educação, epistemologias, mídias digitais e processos
socioculturais.
______________
REFERÊNCIAS
ARENDT, H. Da
violência. Brasília, DF: Editora da
UnB, 1985.
AUCLAIR, G. Le mana quotidien: structures et fonctions
de la chronique des fait divers. Paris: Anthropos, 1970.
CARDIA, Nancy. Mídia e violência. In: Comunicação
& Política, v.1, n.2. Rio de Janeiro: dez/94 a mar-95.
CARLSSON, Ulla e VON FEILITZEN, Cecília (orgs.) A criança e a violência na mídia. São Paulo:
Cortez, Brasília, DF: Unesco, 1999.
GERBNER,
G. e POTTER, W.J. Perceived reality and the cultivation of hypothesis. Journal
of Broadcasting and Eletronic Media. 30(2): 159-74, 1986. In: CARDIA, Nancy.
Mídia e violência. In: Comunicação & Política, v.1, n.2, dez/94 a
mar-95.
JEUDY, Henri-Pierre. La peur et
les media: essai sur la virulence. Paris: Presses
Universitaires de France, 1979.
LASCH, Christopher. O mínimo eu - Sobrevivência psíquica em tempos difíceis. (Trad. João Roberto Martins). São Paulo:
Brasiliense, 1990.
MICHAUD, Y. A
violência. (Trad. L. Garcia). São Paulo: Ática, 1989.
PEREIRA, C.A.M et al. (orgs). Linguagens da
violência. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
SOILER, R. El niño y la
televisión. Buenos Aires: Kapelusz, 1981.
TODA Y TERRERO, José M.; AGUIRRE, Jesús M.; CERVERA,
Rafael C. A violência nos meios de comunicação. In: Comunicação & Educação, v. 8. São Paulo: Moderna, jan-abr/1997.
WILSON, Barbara J. et all. A natureza e o contexto da
violência na televisão americana. In: CARLSSON, Ulla e VON FEILITZEN, Cecília
(orgs.) A criança e a violência na mídia.
São Paulo: Cortez, Brasília, DF: Unesco, 1999.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Participe! Adoraria ver publicado seu comentário, sua opinião, sua crítica. No entanto, para que o comentário seja postado é necessário a correta identificação do autor, com nome completo e endereço eletrônico confiável. O debate sempre será livre quando houver responsabilização pela autoria do texto (Cida Alves)