Jodie Foster esteve em Cannes na semana passada para apresentar o filme “Jogo do Dinheiro”, no qual atua como diretora, e que possui George Clooney e Julia Roberts no elenco. A produção é a quarta dirigida por Foster, que também trabalhou por trás das câmeras em outros longas e em episódios de “Orange Is The New Black” e “House of Cards”.
No Festival, além de exibir o filme, ela participou do bate-papo “Mulheres no Cinema”, promovido pela revista Variety e pela marca Kering, e falou sobre suas experiências na indústria. Com 50 anos de trabalho, Jodie tem muito o que contar.
Um dos tópicos discutido por ela foi o uso banal do estupro, feito com o único propósito de ‘motivar’ a personagem feminina.
“Uma das coisas que mais me irritava como atriz era ver que, quando os roteiristas homens buscavam uma motivação para a mulher, eles a estupravam”, contou a diretora. “Eu me perguntava por que ela era triste. Ah, ela foi estuprada. Eu me perguntava por que ela tinha problemas com o chefe. Ah, ela foi estuprada. Era ridículo. Estava em todo o filme que eu assistia. Se você procurasse pelo grande fator de motivação, era sempre o estupro, porque por alguma razão, os homens o viam como algo incrivelmente dramático. ‘Bem, isso é fácil! Vou criá-lo do nada e aplicá-lo nela’.”
O estupro tornou-se um recurso narrativo muito frequente na cultura pop, sendo empregado em diversas produções do cinema e nos seriados. Contudo, nem sempre ele é escrito de forma que faça sentido à trama ou de forma que não perpetue ideias erradas sobre esse crime, como vimos em “Game of Thrones” e na minissérie “Ligações Perigosas”. Se no caso do primeiro todos as cenas de violência sexual não acrescentaram nada ao arco das personagens, no segundo houve uma romantização de um evento que é extremamente traumático para vítimas.
Por isso, é preciso ter cautela ao escrever um estupro, pois grandes são as chances de que ele seja desnecessário ou que reforce estereótipos, como o de que a mulher estava se fazendo de ‘difícil’ ou de que o comprimento da roupa seja um indicativo de que ela estava ‘pedindo por algo’ (lembrete: ela nunca está), ou de que estupradores são monstros que vivem em ruas escuras, quando na verdade, em 70% dos casos os homens são conhecidos das vítimas.
Não só isso, o estupro em filmes e séries pode ainda reforçar de que consentimento e o direito da mulher sobre o próprio corpo pouco importam. Um pequeno estudo do ano passado trouxe um resultado preocupante: 31% dos jovens forçariam uma mulher a ter relações sexuais com eles caso ‘não houvesse consequências’. Isso mostra como falhamos em reconhecer as mulheres como seres humanos e como não conseguimos conversar sobre o estupro, de forma que procuramos nos distanciar dele, ao invés de tratá-lo como deveria ser tratado: um crime. E quando a mídia erra ao retratá-lo, ela dá continuidade a essa violência.
Dito isso, não quero dizer que estupro não deva ser retratado, mas que seja de forma responsável e com um propósito que não seja o de ‘motivar’ a personagem feminina ou apenas para chocar a audiência.
Para ajudar nessa tarefa, Jada Young, autora de um artigo sobre estupros da personagem Pennsatucky, de “Orange Is The New Black”, criou um teste, uma espécie de Teste Bechdel, mas com o objetivo de avaliar a necessidade do estupro em uma cena. São três perguntas:
- O estupro ocorre pelo ponto de vista da vítima?
- A cena de estupro possui o propósito de desenvolvimento da personagem da vítima em vez da trama da narrativa?
- O abalo emocional da vítima é desenvolvido depois?
O Collant Sem Decote ainda adicionou mais um elemento: o corpo nu da vítima é mostrado durante a cena como objetivo de sexualização? Ou seja, em caso positivo para essa questão e negativo para todas as outras, é melhor deixar para trás a ideia do estupro de uma personagem.
Ter mais mulheres atuando atrás das câmeras ajuda a mudar a forma como as mulheres são retratadas em cena. Um estudo deste ano revelou que quanto maior o número de mulheres roteiristas em uma produção, melhor é a representação feminina nela.
Ainda assim, para Jodie Foster, os “executivos dos estúdios têm medo” de contratar mulheres, pois veem isso como um risco financeiro. Contudo, ela afirma que viu mudanças ao longo de sua carreira e defendeuuma participação maior das mulheres em filmes.
“Tudo mudava quando as mulheres estavam nos sets de filmagem. Parecia mais como uma família. Os sets ficavam mais saudáveis.”
Fonte: Prosa Livre, 16 de maio de 2016
Colaboração: Carolina Arcari, psicopedagoga e coordenadora do Instituto Cores que atua na prevenção de violências sexuais de crianças - Rio Verde\ Goiás.
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