Profa. Dra. EVELYN EISENSTEIN - Médica Pediatra e Clínica de Adolescentes, CRM: 52-17387-0, professora Adjunta da Faculdade de Ciências Médicas, coordenadora de Telemedicina, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro da ISPCAN, International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect, como representante para o Brasil, www.ispcan.org, membro da IAAH, International Association for Adolescent Health, como representante para o Brasil e América Latina (www.iaah.org).
ARTIGO
Crianças e adolescentes estão em fase de crescimento e desenvolvimento corporal, mental, emocional, social e necessitam de apoio e proteção social, uma simples questão de Direitos à Saúde e Vida, mas que se tornou bastante complexa no Brasil de hoje. A violência diária, estrutural e cultural vai sendo banalizada e se tornando um ciclo vicioso entre gerações.
É isso que queremos? Saúde ou doença? Quais escolhas nós iremos fazer de investimento para nossos filhos, para os escolares, para os universitários em cada canto do país? Castigar e maltratar? Ou proteger e prevenir todos os tipos de violência e abusos?
A “punição corporal”, que vem sendo justificada como uma “disciplina familiar” é na realidade, um abuso “silencioso” que vai humilhando e traumatizando a criança. Isso trará conseqüências em seu aprendizado e rendimento escolar, na sua (des)integração social e no uso de drogas/álcool, aumentando os dados estatísticos de mortes por causa externa ou “fatalidades” (homicídios, suicídios e acidentes), perigos que poderiam ter sido prevenidos, se a atitude de construção para a vida fosse outra, de educação para a paz e a saúde!
O castigo corporal é a força física empregada com intuito de castigar, disciplinar, silenciar, ameaçar ou controlar o comportamento ou a conduta impulsiva da criança/adolescente em qualquer situação ou local de moradia. É considerado como abuso físico e emocional, pela Organização Mundial de Saúde, porque a intenção é “punir” em vez de “dialogar”. Muitos atos considerados “disciplinares” são punitivos e abusivos em vez de serem construtivos e preventivos. Às vezes envolve palavras, xingamentos ou ameaças como, “não vai jantar” (quando a alimentação é vital para o crescimento saudável e dormir com fome se torna um castigo de negação do amor!) ou “vai ficar preso em casa” (quando a moradia deveria representar espaço de abrigo e refúgio prazeroso em vez de prisão domiciliar!). Mas o pior é que começa com uma “palmada” ou “palmatória” e vai se intensificando em atos e castigos cada vez mais violentos e humilhantes. Muitas crianças ao serem atendidas, dizem chorando baixinho: “deixei de sentir a dor!”
Geralmente os castigos acontecem por causa de raiva, tensão ou desespero da pessoa que deveria cuidar e ser mais responsável. Alguém estressado por outras razões e que desconta seu furor na criança, como se fosse um “saco-de-pancadas” pois “não quer perder tempo, explicando o por quê das coisas” para essa criança “teimosa” e “pirralhenta”. A punição usa controles externos e revela abuso do poder coercitivo, da força ou da dominância patriarcal ou de gênero. Além disso, o uso de qualquer objeto no intuito de punir, bater, castigar, torturar é inaceitável e inapropriado em qualquer idade e em qualquer cidade dos países que assinaram e ratificaram acordos internacionais das Nações Unidas, como é o caso do Brasil.
A Declaração Universal dos Direitos da Criança em 1959, a Convenção dos Direitos da Criança em 1989 em seu artigo #19 e comentário geral # 13, recentemente aprovado em Março de 2011, e o nosso Estatuto da Criança e do Adolescente de Outubro de 1990, são contra a violência e a favor da dignidade, do respeito e da proteção social da criança, na Família, na Sociedade e no Estado. Isso significa que “bater” na criança não é permitido em nenhuma circunstância e sempre é injustificável: “maltratar” significa prejudicar alguém e “maus tratos” são todos os tipos de abuso, negligência, abandono ou exploração.
Brasil se prepara para rever alguns dos artigos (17 e 70 do ECA), no Projeto de Lei 7672/2010, que responsabilizam os pais e integrantes da família ampliada, assim como quaisquer outras pessoas encarregadas de cuidar, tratar, educar ou vigiar crianças e adolescentes por utilizarem o castigo corporal ou tratamento cruel ou degradante como forma de correção, disciplina, educação ou a qualquer outro pretexto. Todos estarão sujeitos às medidas previstas e sanções cabíveis em Lei. E também, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios atuarão de forma articulada na ampliação das políticas públicas e na execução de ações preventivas destinadas a coibir o castigo corporal ou qualquer tratamento cruel ou degradante.
Precisamos refletir também sobre as justificativas da frequente “falta de recursos”, pois o Brasil é um “país de todos” e crianças e adolescentes são “prioridade absoluta” na lei. Portanto, está mais do que na hora das políticas públicas de prevenção e educação em saúde saírem do papel e serem implementadas e executadas!
A violência não é só contra-indicada como remédio para controlar comportamentos, mas também como droga de uso letal, pois causa danos, lesões e mortes e ainda repercussões mentais na vida adulta, da mesma forma como o abuso de tantas outras drogas por parte da população doente. Isso inclui a que se encontra nas prisões, nas delegacias ou traumatizadas e atendidas nas emergências e nos serviços psiquiátricos. São pessoas que não tiveram a chance de crescer sem palmadas e com o afeto que necessitavam quando crianças e adolescentes! Proteção social e prevenção da violência são as melhores vitaminas da receita para o crescimento saudável do Brasil!
Fonte: artigo publicado no Correio Braziliense em 12 de outubro de 2011
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